José Pinto de Azeredo deixou um valioso espólio médico adormecido durante mais de duzentos anos nas bibliotecas e nos arquivos nacionais. Infelizmente, pois o pouco que deu ao prelo augurava o melhor: duas notáveis expressões das ciências e do pensamento das Luzes em Portugal - em 1790 o Exame Quimico da Atmosphera do Rio de Janeiro e em 1799 os Ensaios sobre algumas Enfermidades de Angola. [contracapa] Depois de Michel Foucault, a ontologia histórica da medicina europeia do século dezoito teve um surto de desenvolvimento, bem expresso na obra editada por Andrew Cunningham e Roger French em 1990, The Medical Enlightenment of The Eighteenth Century. Esta não contém uma referência nem à medicina, nem à história natural, nem à filosofia natural no velho e repartido império português. Na verdade, as Luzes mal e tardiamente passaram os Pirenéus; mais depressa atravessaram o Atlântico e chegaram ao Brasil. Mas vários ilustres portugueses, os chamados estrangeirados, e muitos brasileiros os cruzaram nesse século na direção contrária, em busca dos avanços do espÃrito humano, das liberdades, das ideias, das ciências modernas. (à ) Um dos brasileiros que viajou para Edimburgo, então sede da primeira ou segunda melhor escola médica da Europa, foi José Pinto de Azeredo (1764-1810). Um nome a juntar a um Ribeiro Sanches, um José Joaquim de Magalhães ou um Vicente Coelho de Seabra. Em Isagoge patológica do corpo humano, obra datada de 1802, o médico carioca confessa ao leitor (que não teve decerto em abundância: o livro já pronto, nunca foi para o prelo por misteriosa decisão) que o «meu fim é só narrar as causas das enfermidades» (p. 172). Diz fazê-lo sem pretensões de academismo e de perfeição. O seu é um interessantÃssimo, refletido, original e autónomo manual de introdução à clÃnica médica, uma descrição crÃtica de sistemas e teorias vigentes, carregado de ensinamentos e testemunhos do eminente quÃmico e médico de cabeceira, quanto se sabe, corpuscularista e newtoniano. Senhor de uma escrita clara e direta, não receava assumir juÃzos de valor, dúvidas, posições na primeira pessoa. O livro teria ajudado muitos jovens fÃsicos a discernir, teria ensinado o raciocÃnio médico, teria sido uma boa ferramenta para aprender a exercer clÃnica. [da Apresentação]